segunda-feira, 18 de março de 2013

Mao Zedong: herói ou vilão?


Não sou maoísta e Mao não faz parte da minha troika, como sabeis. Mas considero-o o maior líder político que alguma vez pisou a Terra e a sua Revolução transformou completamente a China, que neste momento, embora parecendo mais um país com um sistema de capitalismo de Estado, é no entanto uma potência mundial nascida da China de Mao. E principalmente é um país ateu em que a loucura religiosa não entra na política e como tal um dos mais progressistas do mundo.
Não há mulheres de burca nem pessoas a rastejar para santuários nem as milenares filosofias chinesas da passividade e da gentileza "à lá Jesus", têm o peso que tinham. E essa é a grande herança de Mao: um povo ateu, muito menos submisso do que era, com autoestima.
Claro que há muitos trabalhadores mal pagos e os ricos estão cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres mas e por cá, não é a mesma coisa? E a China de hoje prova principalmente que há outras formas de organização social com sucesso para além do "sistema democrático anglo-americano-capitalista"

Vem isto a propósito do livro que acabou de ser publicado em Portugal:


Este livro qualifica Mao como o pior assassino que alguma vez passou pela Terra, muito pior que Hitler e Estaline. Só defeitos, um monstro, enfim.

É um livro revisionista e reacionário ao qual o próprio Mao responderia seguramente com esta sua frase:

 “To be attacked by the enemy is not a bad thing but a good thing."

Quando foi publicado pela primeira vez em 2005 e chegou a vendas de 60.000 em 6 meses no Reino Unido, teve várias críticas menos favoráveis:

"Steve Tsang (University of Oxford) argued that Chang and Halliday "misread sources, use them selectively, use them out of context, or otherwise trim or bend them to cast Mao in an unrelentingly bad light."

David S. G. Goodman, Professor of Contemporary China Studies at the University of Technology, Sydney, wrote in The Pacific Review that Mao: The Unknown Story, like other examples of revisionist histories, implied that there had been "a conspiracy of academics and scholars who have chosen not to reveal the truth." Goodman argued that as popular history the book's style was "extremely polemic" and he was highly critical of Chang and Halliday's methodology and use of sources as well as specific conclusions.

Professor Thomas Bernstein of Columbia University referred to the book as "... a major disaster for the contemporary China field..." because the "scholarship is put at the service of thoroughly destroying Mao's reputation. The result is an equally stupendous number of quotations out of context, distortion of facts and omission of much of what makes Mao a complex, contradictory, and multi-sided leader."


Já quanto à alegação do livro de que as mortalidade sob a liderança de Mao foi uma catástofre, de que morreram milhões às suas mãos, vale a pena ler Noam Chomsky neste artigo de 15 de Fevereiro de 2012:

"China and India have recorded rapid (though highly inegalitarian) growth, but remain very poor countries, with enormous internal problems not faced by the West. China is the world’s major manufacturing center, but largely as an assembly plant for the advanced industrial powers on its periphery and for western multinationals. That is likely to change over time. Manufacturing regularly provides the basis for innovation, often breakthroughs, as is now sometimes happening in China. One example that has impressed western specialists is China’s takeover of the growing global solar panel market, not on the basis of cheap labor but by coordinated planning and, increasingly, innovation.

But the problems China faces are serious. Some are demographic, reviewed in Science, the leading US science weekly. The study shows that mortality sharply decreased in China during the Maoist years, "mainly a result of economic development and improvements in education and health services, especially the public hygiene movement that resulted in a sharp drop in mortality from infectious diseases." This progress ended with the initiation of the capitalist reforms 30 years ago, and the death rate has since increased.


Para formar a minha opinião sobre Mao Zedong, três factos são muito importantes:

1 - Um jovem chinês, morador numa cidade relativamente pequena e que encontrei aleatóriamente no chatroulette, à minha pergunta "How do you people feel there about Mao Zedong?" respondeu imediatamente "It is our Hero!"



2 - Outro facto revelador é que as pessoas trouxeram Mao de novo para a rua, de forma espontânea, nas manifestações chinesas de Setembro de 2012, contra o Japão. Isso perturbou um pouco o partido comunista chinês, para o qual Mao ainda é visto como Deng Xiaoping o via:

"China's senior leader, Deng Xiaoping, was reported to have said in 1978, ''We will never do to Mao what the Soviets did to Stalin,'' and the official verdict remains that Mao was 70 percent correct and 30 percent wrong."

Mas a verdade é que foi Mao que transformou a passividade tradicional chinesa perante os abusos do estrangeiro - como por exemplo as vergonhosas Guerras do Ópio em que o Reino Unido imperialista e arrogante, qual traficante de droga, impôs o "livre comércio" do seu ópio na China, através das armas, drogando no processo milhões de chineses e roubando Hong Kong - num espírito lutador que conseguiu vencer os japoneses. Isso é algo que geração após geração os chineses não esquecem.

2ª Guerra do Ópio (1856-1860)

Manifestantes trazem Mao para a rua em Pequim, setembro de 2012



3 - Mas para mim o que define de forma mais clara Mao é a forma como ele tratou o imperador, Aisin-Gioro Puyi. Mesmo depois de Puyi ter sido usado desde 1934 até 1945 como fantoche pelos japoneses, que o fizeram imperador do Estado de Manchukuo o que facilmente poderia servido para o executar como traidor, Mao Zedong quis reabilitá-lo e enviou-o para a prisão onde foi declarado reintegrado passados 10 anos e libertado. Trabalhou depois no jardim botânico de Pequim. Vale a pena ler a descrição do que se passou:

"When the Chinese Communist Party under Mao Zedong came to power in 1949, Puyi was repatriated to China after negotiations between the Soviet Union and China. Except for a period during the Korean War, when he was moved to Harbin, Puyi spent ten years in the Fushun War Criminals Management Centre in Liaoning province until he was declared reformed. Puyi came to Peking in 1959 with special permission from Chairman Mao Zedong and lived the next six months in an ordinary Peking residence with his sister before being transferred to a government-sponsored hotel. He voiced his support for the Communists and worked at the Peking Botanical Gardens. At the age of 56, he married Li Shuxian, a hospital nurse, on 30 April 1962, in a ceremony held at the Banquet Hall of the Consultative Conference.

From 1964 until his death he worked as an editor for the literary department of the Chinese People's Political Consultative Conference, where his monthly salary was around 100 yuan. With encouragement from Chairman Mao Zedong and Premier Zhou Enlai, and openly endorsed by the Chinese government, Puyi wrote his autobiography "Wo De Qian Ban Sheng"  literally "The First Half of My Life"; translated in English as "From Emperor to Citizen" in the 1960s together with Li Wenda, an editor of Peking's People Publishing Bureau.

(...) Mao Zedong started the Cultural Revolution in 1966, and the youth militia known as the Red Guards saw Puyi, who symbolised Imperial China, as an easy target of attack. Puyi was placed under protection by the local public security bureau and, although his food rations, salary, and various luxuries, including his sofa and desk, were removed, he was not publicly humiliated as was common at the time. But by now, Puyi had aged and began to decline. He died in Peking of complications arising from kidney cancer and heart disease on 17 October 1967 at the age of 61."


Acho esta história extraordinária, de uma sabedoria e sensibilidade enormes, especialmente se compararmos com a brutal morte do Czar Nicolau II e toda as sua família às mãos da revolução russa.
Aliás também na forma como lidavam com os opositores políticos se notavam diferenças: os soviéticos faziam "desaparecer" os opositores através da Tcheka depois de os torturarem, criando terror entre o povo. Já os chineses faziam preferencialmente julgamentos e execuções públicas que serviam para que o povo percebesse a razão de ser das mesmas.

Talvez esta diferença de comportamento perante os opositores ajude a explicar porque é que Mao ainda é querido entre o povo chinês e o Partido Comunista Chinês permaneça no poder enquanto a União Soviética ruiu e Estaline é amado por poucos.

Dois outros livros sobre Mao Zedong, mais rigorosos:



Para terminar, não posso deixar de fazer o paralelismo entre o estado apático e passivo em que se encontrava o povo chinês antes da revolução maoista e o estado em que está o povo português neste momento.


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